O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, pelos seus órgãos
acima destacados e o Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas do Estado
do Rio Grande do Norte, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art.
129, inciso II, da Constituição Federal, combinado com o art. 27, parágrafo
único, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, art. 3º, inciso I, da Lei Complementar
Estadual nº 178/2000, art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/93 e arts. 61,
69, II e III e parágrafo único, “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96,
bem como com fulcro nas investigações desencadeadas nos autos do Inquérito
Civil nº 003/2011,
CONSIDERANDO que, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, a
administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência;
CONSIDERANDO que, segundo o art. 196 da Carta Magna, a saúde é direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação;
CONSIDERANDO que, dentre os oito “objetivos do milênio” estabelecidos no
ano 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU), estão a REDUÇÃO DA
MORTALIDADE INFANTIL em pelo menos 15% até 2015 e a MELHORIA DA SAÚDE DAS
GESTANTES, por isso integra o Pacto Federal pela redução das desigualdades,
compromisso renovado pelo estado do RN em 04/2011, em função do dado trágico de
que em solo potiguar, 76% dos óbitos de recém-nascidos e 80% dos óbitos maternos
ocorrem por causas evitáveis, em sua maioria relacionadas à falta de
atenção adequada à mulher durante a gestação, no parto e também ao feto e ao
bebê;
CONSIDERANDO que a redução da mortalidade materna e infantil neonatal
restou inserida, ao lado de apenas cinco outras prioridades, nas ações que
integram o Pacto pela Vida/Pacto pela Saúde, em sua primeira edição no ano de
2006, por ato deliberativo dos três entes federativos, no âmbito da
CIT/Ministério da Saúde, visando justamente impulsionar essas linhas de
cuidados essenciais, tanto que foi reafirmada na edição do Pacto no ano de
2009;
CONSIDERANDO, ademais, que a assistência médica hospitalar à parturiente,
que contempla a assistência materno-infantil, por expressa determinação
constitucional, deve ser tutelada com primazia, conforme letra do artigo 6º,
caput, da Constituição Federal, nos seguintes termos: “São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, o segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta constituição”.
CONSIDERANDO os compromissos da gestão estadual de saúde na
implementação da Rede Cegonha no RN, comprometendo-se a efetivar hospitais de
referência por região de saúde, para o parto de risco habitual e o de alto
risco, garantindo ainda composição das equipes médicas na assistência ao parto
e nascimento;
CONSIDERANDO que o atendimento ao parto de risco habitual e de cesárea
de baixo risco em São José do Mipibu, com referência para toda a 1ª Região
de Saúde, estava sendo assegurado pela APAMi Maternidade Jessé
Freire, mediante equipe de recursos humanos (médicos), cedidos sem qualquer
instrumento legal, pela Secretaria de Estado da Saúde Pública;
CONSIDERANDO que, de acordo com o ofício nº 1431/2013-GS/SESAP, alguns
médicos informalmente cedidos foram chamados de volta para a rede hospitalar da
SESAP, mas ainda permanecem vinculados a APAMI (04) obstetras, (04) anestesiologistas e
(01) clínico geral, tendo sido ajustado acordo entre a APAMi e a
SESAP, para manutenção da cessão por um prazo de 90 dias, prorrogável por igual
período, condicionada a parecer prévio da SUVISA, sendo esse também um ajuste verbal,
em total afronta aos mais elementares princípios que regem o ordenamento
jurídico pátrio de direito público;
CONSIDERANDO ainda que o mencionado ofício informa que no
ajuste verbal acima, ficou ainda facultada a utilização da lavanderia do
Hospital Regional Antônio Barros e até mesmo a utilização de insumos de saúde e
medicamentos da unidade hospitalar em favor da APAMI, mediante solicitação
formal desta em casos excepcionais;
CONSIDERANDO que a referida unidade de saúde privada encontrava-se em
operacionalização com sérias desconformidades, em todos os setores de
atendimento, nos termos do inciso IV, item B, tópicos 1 ao 5, do relatório
de Perícia Técnica firmado pela UFRN, nos autos do Inquérito Civil nº 003/2011
- cópia anexa -, tanto que atualmente constatou-se, em visita realizada pela
Promotoria de Justiça de São José doMipibu e o CAOP Saúde, no dia
09/05/2013 – também segue cópia anexa – que a APAMI passa por reforma,
permanecendo sem ofertar qualquer tipo de atendimento médico;
CONSIDERANDO que a APAMI Jessé Freire também oferta, em sua estrutura,
prestação de serviços de saúde particulares, em alojamentos tipo apartamentos –
informação destacada no relatório de Perícia Técnica firmado pela UFRN -, que
no dia da perícia hospitalar não foi encontrado nenhum enfermeiro de plantão,
tendo sido encontrado apenas um único médico, atrelado ao fato da
administradora da APAMI referir-se não conhecer as rotinas do serviço, bem como
não ter conhecimento das necessidades documentais e burocráticas de registros a
serem informados – fls. 003 do relatório de Perícia Técnica firmado pela UFRN;
CONSIDERANDO a recente reforma das duas salas cirúrgicas do Hospital
Regional Antônio Barros e o próprio compromisso do Governo do Estado de
realizar 120 partos por mês na unidade pública, meta que ainda não se
concretizou por falta de recursos humanos, inclusive de médicos obstetras e anestesiologistas –
fato que também identificamos na visita de inspeção ministerial ocorrida no dia
09/05/2013;
CONSIDERANDO que a 1ª Região de Saúde é a região do estado que mais
envia pacientes gestantes de forma irregular e em total desrespeito a PPI – Pactuação Programada
Integrada da assistência SUS no RN -, para atendimento de parto, superlotando,
por exemplo, a Maternidade Escola Januário Cicco e, algumas vezes,
para a rede de maternidades públicas de Natal, que sequer dá conta de atender
suas próprias parturientes; portanto, mais do que evidente a imperiosa
necessidade de organizar serviço de parto de risco habitual e cirúrgico
regional e, até mesmo cirurgias ginecológicas;
CONSIDERANDO que, de acordo com o art. 10, inciso II, da Lei nº 8.429,
de 2 de junho de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa, constitui ato
de improbidade administrativa a permissão, por ação ou omissão, para que pessoa
jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial público, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie, ocasionando prejuízo ao erário;
CONSIDERANDO que a penalidade prevista no art. 12, inciso II, da Lei de
Improbidade Administrativa independe das sanções penais, civis e
administrativas previstas na legislação específica, e que o dano ao Erário
decorrente deste fato poderá ser apurado pelo Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte;
CONSIDERANDO que compete à Secretaria de Estado da Administração e dos
Recursos Humanos a apuração de eventual infração administrativa de servidor
público vinculado ao quadro de servidores do Governo do Estado do RN, a exemplo
do pretenso abandono do cargo praticado pelos funcionários públicos no
presente caso concreto.
RECOMENDAM as Vossas Excelências que adotem as medidas administrativas
adequadas para, IMEDIATAMENTE: (1) determinar o retorno dos (04) obstetras,
(04) anestesiologistas e (01) clínico geral, conforme lista em anexo,
à rede hospitalar da SESAP, lotando-os no Hospital Regional Antônio Barros, de
forma a garantir a plena oferta de partos pelas salas cirúrgicas; (2) Não
permitir, em qualquer situação, ainda que considerada excepcional, a
utilização, em favor da APAMI ou de qualquer outra entidade privada, da
lavanderia do Hospital Regional, bem como de insumos e medicamentos da rede
SESAP, uma vez que é expressamente vedada pelo ordenamento pátrio, a utilização
graciosa do patrimônio e dos recursos públicos por ente privado de modo
informal, especialmente quando o prejuízo para o serviço público afigura-se
patente, como se evidencia no presente caso concreto;
RECOMENDAM, ainda, ao Secretário de Estado da Administração e dos
Recursos Humanos que (1) verifique o integral cumprimento da presente
RECOMENDAÇÃO e, sucessivamente, em caso de não cumprimento; (2) instaure o
pertinente processo administrativo para apuração da infração de abandono de
emprego por parte dos funcionários públicos implicados.
Por fim, oferta-se o prazo de cinco dias para que Vossas Excelências
informem ao Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Justiça de
São José do Mipibu, bem como ao Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas do Estado, através da Procuradoria-Geral, quais as iniciativas tomadas
com o escopo de atender a presente Recomendação Ministerial, sob pena da adoção
das medidas legais e judiciais cabíveis, inclusive de responsabilização
pessoal.
Publique-se e intime-se.
Natal (RN), 03 de junho de 2013.
Maria Zélia Henriques Pimentel de Vasconcelos
Promotora de Justiça de São José do Mipibu, em
substituição legal
Luciano Silva Costa Ramos
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do
RN
Carlos Henrique Rodrigues da Silva
47º Promotor de Justiça de Natal
Iara Maria Pinheiro de Albuquerque
Promotora de Justiça Coordenadora CAOP Saúde
ANEXO:
Relação dos médicos que permanecem lotados na APAMI de São José de Mipibú/RN.
Carlos Alberto Marques - Matrícula. 2.745-6 - 40 horas - Médico Anestesiologia -
desde 01/07/2009;
Felisberto Valério Rodrigues - Matrícula. 161.921-7 - 40 horas - Médico Anestesiologia -
desde 16/03/2012;
Ivan Gomes Pinheiro - Matrícula. 66.403-0 - 40 horas - Médico
Ginecologista - desde 01/07/2009;
Lúcia Maria Coutinho Pereira - Matrícula. 95.381-4 - 40 horas - Médica
Ginecologia Obstétrica - desde 01/07/2009;
Marcelo Fábio Medeiros Paiva - Matrícula. 95.099-8 - 40 horas - Médico Anestesiologia -
desde 13/03/2012;
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