A modernidade, com a ênfase dada à subjetividade, nos trouxe outro
modo de conceber a moralidade. As instituições foram relativizadas nas
orientações dos comportamentos. O Ser Humano tornou-se de fato a medida de
todas as coisas. O que é real é aquilo que pode ser conhecido e vivido pelo
sujeito. Cada um tem a sua verdade e pode senti-la, expressá-la e vivê-la. O
outro será sempre o meu inferno, caso não a aceite e não a confirme. A vida
social é só meio e não o fim da minha condição humana. O animal político da
antiguidade é substituído pelo egolátrico e individualista. Mas já, na
posmodernidade, temos uma retomada quixotesca das tendências volitivas da
condição humana. Aí, são deixados de lado os valores das virtudes e entram em
cena as viciosidades. A racionalidade moderna não ofuscou as tendências
volitivas da existência.
Nalgumas instituições nos deparamos
com as conseqüências desta mentalidade irracional. Estas que existem para ser
veículo de consecução do bem comum, em muitos lugares, como aqui no Brasil,
vejamos o caso do mensalão, estão sendo instrumento de justificação da
corrupção humana e política. Aqui, me vem em mente a concepção do Papa
Francisco do que seja esta famigerada corrupção, ou seja, esta degeneração da
vontade. Numa de suas homílias das missas matinais ele já afirmou: “os
administradores corruptos ‘devotos da deusa ilegalidade’ cometem um pecado
grave contra a dignidade e dão de comer aos próprios filhos com ‘pão sujo’: a
esta astúcia mundana deve-se responder com a astúcia cristã que é um dom do
Espírito Santo”. Continua o pontífice quando diz que “o costume da ilegalidade
é mundano e muito pecador. Certamente, é um hábito que nada tem a ver com
Deus”. Aqui vemos que, como característica desta tomada alucinante da
subjetividade sem referência objetiva, há a perda da referência transcendental.
Na atualidade, as formas ideológicas de negar satisfatoriamente esta realidade
antropológica são percebidas pela tentativa violenta e desrespeitosa de
extirpar dos espaços públicos tudo o que seja sinal do sagrado e transcendente.
Isto é muito mais sério do que superficialmente se pensa; ou seja, nada nem
Ninguém pode orientar ou controlar minhas vontades, que se tornam vícios que
geram esta humanidade corrompida e descontrolada.
Numa sociedade onde o que é
comum se torna refém do individual, o que pode ser esperado? Já percebemos que
nas famílias os pais estão a mercê das vontades dos filhos, nas escolas dos
alunos, nas instituições das facções ideológicas. A vida em comum se torna cada
vez mais conflituosa, dando espaço a uma ditadura do legalismo, que não deixa
de ser um sintoma destas relações viciadas e narcotizadas, porque demonstra que
a pessoa perdeu o caminho a ser seguido, mesmo tendo sua vontade. Na
hipermodernidade “alguém” percebeu isto e fez com que os meios de comunicação
fossem a válvula de escape e o cabresto do inconsciente coletivo para conduzir
e domesticar esta vontade, tendo em vista os interesses econômicos e de poder
dos que perderam totalmente as referências morais e éticas, que tinham forma
objetiva no transcendente. Me parece que, na vontade viciada e sem
racionalidade, tanto os que dominam, quanto os que estão sendo dominados,
existe uma promiscuidade da vontade! O vício está gerando mais vício. Isto está
formulando questões existenciais tremendas. Vejamos como é sério o problema da
depressão que se tornou tão visível ultimamente, como sinal duma sociedade que
busca preenchimento para suas vontades a todo “custo”.
A humanidade precisa de
referência transcendental. O refortalecimento da religião na atualidade é uma
“prova” disto. Só que existe uma confusão de ideias que ainda não está
purificada. Penso que, num futuro, haverá uma necessária reconfiguração destas
tendências, mais equilibradas e adaptadas aos anseios comuns. O humano exigirá
o que for mais humano. A civilidade nos cobrará esta qualificação das nossas
vontades. A vida em comum será robustecida mais uma vez pela necessidade do
equilíbrio das relações personalizadas. O canal será, sem dúvida, o da família,
como lugar do amor gratuito e procriativo. Esta é a tendência natural e universal
do presente e do futuro. Eis o caminho mais humano e virtuoso para o
fortalecimento dos sentimentos e da retomada da razão no equilíbrio da relação
entre os vícios e as virtudes. Assim o seja!
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